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A Importância do nome
03 de agosto de 2013

 

Eu voltava para casa numa sexta-feira, após um jantar. Quando num sinaleiro qualquer esperava a mudança de cor para que pudesse avançar. Um gesto que fazemos todos os dias. De modo repetitivo e por vezes enfadonho. Num breve momento vi uma sombra chegando próxima a lateral do meu carro.

Observei aquela imagem. Um homem sujo e com os olhos tristes. Desci um pouco o vidro enquanto aquele espírito se aproximava. E ele me disse você pode me dar uma ajuda? Céus quantas nuances para uma resposta. Como ajudar. Era possível ou era melhor ignorá-lo. Afinal poderia ser um bandido ou quem sabe Deus disfarçado de mendigo...

Olhei para ele e disse boa noite. Ele me fitou com espanto. Um pouco surpreso novamente me questionou se eu poderia ajudar. Fazendo um gesto para verificar se eu teria algum dinheiro. Abaixei o volume do rádio e disse que não. Afinal em tempos modernos é muito difícil ter dinheiro vivo nas mãos.

Para minha surpresa ele sorriu e me disse obrigado moça. Você é muito educada. Quando cheguei perto do seu carro você abriu o vidro o me cumprimentou. Prazer viu meu nome é Sérgio e o seu? Com um sorriso atônito respondi que me chamava Tais. Sorrindo e com um certo ar alegre ele me disse lindo nome. Seja feliz na vida...

O sinal abriu e aquela cena não escapa dos meus pensamentos. O que teria levado Sérgio para as ruas. Numa noite fria e sempre húmida como é Curitiba. Teria ele um lar ou alguém a sua espera. Há quanto tempo não teria ele o prazer de um banho quente ou de uma mesa delicadamente servida?

Quais as suas prioridades na existência. Um dia de cada vez. A comida. A sobrevivência ou os sonhos que ele tenha abandonado no passado e quem sabe nunca mais será capaz de retomá-los. E qual o motivo de ser tão efusivo ao falar o nome dele e perguntar o meu. Afinal nunca mais nos veríamos. Não seríamos amigos. Vizinhos ou colegas de trabalho.

Ignoramos a importância e o sentido das coisas. Estamos insipidamente ensimesmados com a nossa vida. Com os nossos projetos infindáveis. O nosso nome e a nossa rubrica não são os nossos focos. Quem sabe quando alguém nos solicita dizendo nosso nome isso nos provoca dissabor pela perturbação num instante de silêncio.

Para o Sérgio dizer o seu nome. Identificar-se. Era talvez um momento especial no dia. Já passava da meia-noite. E lá estava ele no frio. Sujo e provavelmente com fome. Esperando por alguma coisa que eu nunca serei capaz de identificar. A necessidade contida no seu corpo e na sua alma talvez sejam as mesmas que eu sentia. Porém em contextos imensamente diversos.

Vidas que culminam em anseios, mas que fogem das similitudes. Sérgio e Tais absorvidos pelos seus vícios – pelos seus medos. E taquicárdicos diante da vida e do correr dos anos mencionavam seus nomes como uma forma de garantir a identidade, a individualidade diante de um universo de pessoas que nunca conheceremos.

Enquanto me distanciava dos tristes olhos de Sérgio. Pensava que eu não estava com fome, nem com frio. Pensava que meus filhos estavam em casa protegidos. Tinha convicção de que dirigir meu carro era um conforto inquestionável. Refleti sobre meus livros comprados e publicados e nas roupas e sapatos do armário. Sem falar nos títulos universitários.

Seriam essa nuances que me distanciavam de Sérgio. Mas no fundo não era isso que me incomodava. O pertinente naquele momento era saber o que nos aproximou. O que impulsionou aquele cumprimento efusivo e no final aquele beijo mandado através dos dedos como um adeus para um amigo querido que ele fazia enquanto meu carro se distanciava.

Movida por pensamentos infindáveis procurei um cachorro quente e parei. Comprei um imenso e pedi para viagem e voltei para o sinaleiro onde encontrara Sérgio. Mas para minha surpresa ele já não estava mais lá. Um pouco frustrada ainda corri as ruas próximas – sem sucesso. A fumaça da vida já havia consumido a imagem.

Numa esquina qualquer vi um garoto pedindo dinheiro e imediatamente entreguei o sanduíche. E ele me diz a senhora não tem dinheiro? Dei a mesma resposta mencionada para Sérgio há meia-hora passada. Não pequenino o tia não carrega dinheiro no carro. Mas coma o pão. Ele é fresco e está quentinho.

O menino sem nome teria o mesmo futuro de Sérgio? Que alma vazia abandonara aquele magrelo guri a sua própria sorte. Num dia de frio e tarde da noite? Que futuro atroz seria delineado naquela vida e em todas as outras com esse destino que eu não sou capaz de compreender diante das incertezas que o circundam?

Infelizmente não tenho todas as respostas para os minhas dúvidas emocionais. E tampouco fui capaz de ajudar Sérgio ou o menino sem nome. Imaginava nas inúmeras hipóteses de ajuda para aquelas almas que cruzaram o meu caminho numa noite fria e sem grandes emoções. De toda sorte uma dura lição ficou estampada nos meus pensamentos naquela noite.

Eu nada fiz. Um sanduíche talvez nem fizesse a diferença. E tampouco eu seria uma cidadã melhor. A agrura desse quadro mental que ousei pintar tem seu foco num espelho. Ao dizer que se chamava Sérgio eu me lembrei do meu nome. Da minha alma entristecida e das coisas que não fui capaz de resolver naquele dia.

O meu favor era inútil naquela noite. Todos os meus auspícios de ajuda. Auxílio. Socorro. Eram inexoravelmente inúteis. Afinal o nome. O contexto e a realidade que foram reconhecidas naqueles breves minutos - foram revertidos para mim. Que confortavelmente vestida e alimentada me vi exaurida da minha realidade e perplexa com a importância de um nome.

Taís Martins

Escritora, MsC, e professora.

Contato:  taisprof@hotmail.com

              focuslife@playtac.com

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  • Tais Martins

    Prazer Chandall - você é tudo de bom... bjs mil

  • JAQUELINE SILVA DE OLIVEIRA

    MUSA INSPIRADORA DE TODAS AS MINHAS MANHÃS... ME ALEGRA NOS DIAS DE TRISTEZA... SUPERA MINHAS EXPECTATIVAS NOS DIAS DE ALEGRIA...PARABÉNS PELO TALENTO TAIS E OBRIGADA POR REPASSAR ELE PARA à TODOS... SUCESSO...

  • Chandall Von Kalckmann Romão

    Muito prazer...meu nome é Chandall!