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A verdade da dor
19 de junho de 2013
Nada do que eu já fiz me agrada. E o que eu fiz com amor, estraçalhou-se. Nem amar eu sabia, nem amar eu sabia. Clarice Lispector
Há coisas na vida que amealhamos sem querer. Situações que afagam o ego e dilaceram o coração. E lá está a incongruência das almas. O que há de mais forte na dor que sentimos? A vontade de não conhecer a dor ou a frustração da fraqueza sentida e remoída no peito. Um dia a casa está habitada por flores e recados e no outro dia a sala está vazia...
Costuma alegar uma poetisa que conheço que é melhor padecer de saudade do que nunca ter amado. Imagino qual é a força impressa para manter a sua elegância verbal. Quando a partida faz ranger a porta e os olhos inundados não podem mais mentir e omitir sentimentos. Qual será seu melhor vestido e seu belo sapato para encarar esse recital indesejado.
Sempre me intriga a dignidade dos poetas. Fingem amores e amados. Criam mundos ideais cheios de ternura e de carinho. Mas não habitam esse universo. Vivem rotos e desgastados daqueles que esperam amor e só recebem despedidas. Procuram viajar ao encontro daqueles que se despedem e que nunca mais retornam.
Não refuto a idéia de que o amor é uma tarefa de persistência. Porém, em tempos de internet e facebook, é mais importante parecer que ama do que aprender a amar. As aparências de felicidade ocupam fotos. Letras de músicas e declarações para platéias que nem sempre são confiáveis. Afinal desejar a felicidade não nos garante nenhuma felicidade.
Muitos sorrisos ocultam lágrimas atrozes. Escondemos entre cílios postiços e maquiagens belíssimas uma sensibilidade que não cabe ao grande público. A travessura faz mais sucesso que a bondade. Ao optar pelas defesas atacamos sem limites para que a batalha não nos aniquile no primeiro round.
Como revelar que fomos atraiçoados pelos nossos sentimentos e também por aqueles que escolhemos permitir ocupar uma poltrona na sala de jantar?. Uma taça de champagne ou de um vinho podem revelar um romance ou ocultar inúmeros e infindáveis enganos. Por certo a amargura tem um preço alto a ser pago, mas nem sempre essa paga é revelada.
Nossa altivez tem que ser mantida. Nosso orgulho tem que se preservado acima de cada mililitro de sangue que ferveu durante um ataque de ódio. Não se dá ao inimigo o doce sabor da vitória. Então calamos a alma e aplacamos os verbos para que haja dignidade em ajoelhar somente nas escadarias da nossa casa...
Os espelhos revelam nossos olhos vermelhos e a boca plena de batom. Quando não sorrimos ou beijamos estamos belos e intactos e a beleza ainda dói mais. Afinal para que um lindo vestido vermelho e una scarpa italiana in piedi. Se ao descalça-los há cacos da nossa alma espalhados pelo chão. Verdades inconfessáveis que nos arrebatam irremediavelmente.
Creio que ter medo da solidão não é o maior dos pecados. Afinal o fim da nossa história nem sempre tarda. E temos livros. Histórias. Músicas e fotos que queremos e precisamos dividir. Procuramos um porto seguro para tudo o que somos e nem sempre somos fortes. Por minutos é preciso um cantinho da casa para um chá e algumas lágrimas.
Afinal não há arco-íris sem a chuva teimosa que omite os raios de sol do nosso deleite. Sonhando com um pote de ouro ou com a felicidade dourada de um baú de eternidades. Temos um pouco de Saint-Exupéry nas veias. O que transforma coisas iníquas em bens insubstituíveis é o tempo que dedicamos a elas. Nem todos encontram sua rosa...
Cultivamos muitos caules apodrecidos. Desconhecemos o valor dos bons frutos. Fazer brotar emoções exige aperfeiçoamento. Desprendimento e uma limitação dificílima. O egoísmo não pode mover nossos ânimos. Altas doses de afeto e por vezes o desamor é o veneno que nos consome, mas dificilmente nos mata. É como uma vacina. Nos prepara...
Morrer procurando um caminho que nos alegre a alma é mais sábio do que definhar remoendo os desencontros ocorridos em nossa jornada. Para ser feliz é necessário coragem. E alguma utopia. Devemos ajustar as doses daquilo que queremos ingerir. Veneno através de ressentimentos. Ou o amor através de inúmeras tentativas.
Com a efemeridade de Cecília Meireles aprendemos que o amanhã pode não chegar. Para declarações de amor e até para um adeus. Não somos feitos de cimento e sangue. Nossas veias não trazem nos seus contornos o senso de permanência. E até as construções mais profícuas correm o risco da demolição e da ruína.
Algum dia quando as lágrimas acabarem os corações possam contar novas histórias. Pois chorando na chuva escondemos nossas verdadeiras lágrimas. Não há beleza em sofrer. A arquitetura do belo está em sentir. Reconhecer e aprimorar os sentidos. O cheiro do café pode ser atrativo. Mas seu gosto nem sempre é aprazível.
No palco das nossas idiossincrasias escondemos nossos personagens. Alguns nos veem como insanos e outros como sábios. E esses julgamentos carecedores de significado não devem impulsionar nossas ações. A verdade que nos revela despreza jogos de adivinhações. A nossa boca nem sempre é capaz de corromper nossos olhos. Os eternos espelhos da alma.
A dor sempre existirá. Nada caminha para o perfeito. Não somos máquinas programadas e tampouco nossas emoções são absolutamente programáveis. Mas a verdadeira dor muitas vezes não é revelada. O que mais nos machuca e nos envolve. Será o medo da rejeição? O temor da incompreensão? A paura da solidão?
Talvez todas essas perguntas conjugadas recaiam numa única resposta. Tememos tudo e nada ao mesmo momento. Queremos a felicidade. Amores perfeitos. Mas escondemos nossos melhores sentimentos para o próximo dia. Para o próximo mês e quiçá para o próximo ano. E no fundo o verdadeiro medo da solidão assolará nossos dias escondidos no canto da sala.
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Os caminhos da imaginação pela Escrita
Deixe seu comentário:
Gilvania Rocha da Silva
A verdade que nos revela despreza jogos de adivinhações.... texto lindo e emocionante. Me tocou profundamente, amei... parabéns por tanta inspiração.beijo
Nina Franco Brunatto
BelÃssimo! Você é especialmente sensÃvel e apaixonante !
Bernadete Sullivan
Degustei cada palavra,cada frase,entre a simplicidade de algumas palavras e a riqueza ortográfica de outras,os sentimentos se desenrolam de uma forma poética e ao mesmo tempo real. O texto é muito envolvente,ele aguça nossa alma!
Marc Lopes
A verdade é que a dor, como uma das inimigas mais temÃveis do coração, do ego e também da alma, no final, mostra-se conselheira astuta, professora, e se me permite dizer, uma mãe. Até mesmo nos momentos de mágoas podemos encontrar coisas boas. A dor é também, além de cruel na sua essência, é uma ótima professora, sábia de nascença, nos faz crescer, nos faz aprender, nos faz perceber que com erros, com sofrimento, podemos evoluir, mental e psicologicamente... Inimiga do ego, uma professora do espÃrito. Não há nada melhor colher os frutos que só a guerra vencida oferece, quando já não existem momentos de batalhas frustradas.
Denise Maria Mendes
Os conflitos entre o desejo do amor e de amar encarcerados no mêdo da solidäo. MagnÃfico! TaÃs é mágica.
Anna Paula Calmon de Passos
Ameiiii!!! Linda, vc arrasa!!! Beijão
Yara Peyerl
... gostando cada vez mais de seus escritos ... tenho muito orgulho de ter sido sua aluna ... Bjs Yara
Anna Paula Calmon de Passos
Simplesmente ameiii!!!
Kelly Hamtza
Lindo texto emocionante e contagiante...me emocionei muito e lembrei do que eu ouvi...A saudade tem nome de mulher e como sofremos por amor... Maravilhoso antes caminhar com saudade do que vazia... Parabéns...texto lindo... Luz e paz!!!
Kelly Hamtza
Lindo texto emocionante e contagiante...me emocionei muito e lembrei do que eu ouvi...A saudade tem nome de mulher e como sofremos por amor... Maravilhoso antes caminhar com saudade do que vazia... Parabéns...texto lindo... Luz e paz!!!