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Amigos do passado
23 de julho de 2014

"Enfim, depois de tanto erro passado. Tantas retaliações, tanto perigo. Eis que ressurge noutro o velho amigo. Nunca perdido, sempre reencontrado. "

Vinícius de Morais

 

Numa certa manhã de domingo, fui envolvida por um ataque agudo de nostalgia. Uma saudade imensa de coisas vividas e não vividas. Entremeadas de situações que talvez permaneçam guardadas nos meus melhores sonhos. Pois no fundo da alma nunca fui muito sagaz na arte de fazer recortes e colagens dos meus melhores anseios.

Imaginei com ternura uma voz de pessoas queridas. Perguntando sobre a minha vida, o trabalho e as coisas que nossa caminhada comumente tem em sua linha do tempo. Suspirei abraços apertados – nem todos ocorridos. Afinal nem sempre somos agraciados com o mesmo amor que ofertamos.

O mascaramento das relações pessoais torna as pessoas arredias. Há um cansaço emocional notório. Quantas fotografias descredenciadas do álbum principal. Imagens de porta retratos que ganharam o fundo das gavetas enquanto decidimos se “o pra sempre, sempre acaba...” como dizia Renato Russo...

 

 

Talvez a mais dramática ilustração disso esteja calcada no fato de que os afetos são evasivos. Não há tempo para boas conversas e os indivíduos restam dissuadidos de que o trabalho, os inadiáveis e “inexistentes” compromissos são mais importantes do que um telefonema no aniversário ou nas datas festivas como natal e reveillon.

O dualismo egoísta. O comportamento coletivo cobrado em datas especiais. Quando na verdade o amor deveria ser um exercício permanente. Datas e comércio comungam do objetivo pecuniário e há coisas que nenhuma moeda de papel ou de ouro é capaz de arrecadar que se chama fidelidade.

Há um dito popular que diz que aquele que encontra um amigo encontra um tesouro. Bem a frase seria melhor enredada com o fato de que encontrar um amigo fiel é um tesouro. Pois o contraponto disso reside no fato de deixar os amigos próximos e os inimigos ainda mais.

 

Em suma. Por vezes é preciso criar defesa contra quem decidimos aproximar? Paradoxal e desafiador. Os indivíduos acabam exercendo a jurisdição pessoal que  escapa da responsabilidade civil e tampouco se encapela nos direitos de personalidade. O outro tem uma conduta aprovável ou digna de reprovação. Nada mais.

O conflito e a tensão entre as atitudes racionais e emocionais pode condenar um inocente ao esquecimento e outro à mágoa. A solidão é um elemento competente da discórdia humana. Encapelados em ambientes confiáveis julgamos, condenamos, absolvemos e erramos muitas vezes. Sim. Deixar de amar pode ser também um erro.

No qual condenamos a nós mesmos pelos erros que nem sequer temos coragem de cometer. É mais fácil silenciar e garantir que nada haverá em outras bocas que não as nossas dignos de uma história solitária e não conjunta. Somos como os cães que perseguem a cauda. Mordendo o que nos pertence e ao mesmo tempo nos assusta.

Embora o florescimento de neófitas relações entre pela alma como uma lufada de esperança. A solidão é um assombro permanente. Partilhar as emoções é um risco que deve ser evitado. A listagem de bom senso diz que há um distanciamento dos amigos do passado e que os novos laços formados pelo interesse são prejudiciais ao coração.

Além disso, em contraste com a solidão há um medo velado da fragilidade. Os planos de futuros, as angústias devem ficar emolduradas nas paredes de casa. Quantas tolices cometidas em benefício de uma segurança estúpida. Quem não arrisca os novos laços não tem arrependimentos, mas tampouco conjuga experiências.

A natureza humana não é angelical. Há dualidades, comportamentos equivocados e um sortilégio de ações que podem frustrar e trazer alegrias incontidas. A vida não é um dicionário de certezas e para isso a coragem deve ser o propulsor de momentos que desejamos recordar na altura em que a vida não tem futuro, mas somente passado.

Na minha alma há uma saudade latente das cartas que eu recebi. Dos cartões postais que enviei e recebi. Do abraço no portão nas despedidas de final de aula. Dos beijos da professora de literatura. E essa saudade só existe porque houve um passo em direção ao outro. A permissão do amor sem certezas.

Só há amigos do passado quando ousamos abraçar. Existem laços inquebrantáveis diante da gentileza e do carinho plantados nos jardins do hoje. Insisto na frase cunhada num momento de emoção e perda: “o amanhã é uma promessa que pode não se efetivar”. E meu desejo infantil é que na senilidade eu tenha muitas fotografias risíveis.

Há um baú emocional que já foi construído. Cartas com selos que sequer existem. Cartões postais de lugares que mudaram de nomenclatura. Ruas em que passamos confortáveis com os nossos automóveis e que um dia cruzamos descalços perseguindo a bola do jogo. Ou quiçá nos escondemos após a peraltice de um dia de brincadeiras.

Há uma saudade do ontem no meu peito. O que permite que eu tenha nostalgia e não um vazio do que não existiu. Sou capaz de rir sem ter nada em mãos. Pois minha cabeça está plena de cenas magníficas. Entre o ontem e o hoje plantamos nossas emoções eternas e conquistamos nossos verdadeiros amigos...

 

Taís Martins

Escritora, MsC, e professora.

Contatos: 

taisprof@hotmail.com

  focuslife@playtac.com

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