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Deslumbre de Felicidade - Carolina Vila Nova
04 de maio de 2014
Em busca de algo que fizesse rir, fui com amigos ao teatro às 23h59min de sábado assistir à peça “A tarada do boqueirão”. Muito bem indicado pelo site de um meio de comunicação. Lá fomos nós ouvir o monólogo de uma "puta", interpretada pela atriz Sonia Bacila, que diga-se de passagem, está de parabéns pela atuação.
Prender a atenção da plateia por uma hora e dez minutos não é tarefa fácil de se cumprir com apenas uma atriz no palco. Mas, o roteiro de João Luiz Fiani junto a interpretação de Sonia cumprem bem esse papel.
É interessante como o humor não precisa ser ridículo para ser bem sucedido. Na verdade, as situações mais engraçadas da peça se baseiam na ignorância e ingenuidade da personagem. Pois como prostituta, vivendo de forma miserável, suas histórias são baseadas na escassez de recursos. A melhor viagem de sua vida, por exemplo, havia sido para um réveillon na praia de Matinhos, local tão hostilizado pelos curitibanos de plantão.
E apesar de eu ter rido horrores com a peça e a fantástica irreverência e improvisação da atriz junto a plateia, tenho que dizer que a história também nos remete a profundas reflexões sobre a vida.
Ao mesmo tempo em que é muito engraçado ouvir as histórias da personagem em sua extrema pobreza, podemos ver a felicidade daquele que é simples, que nunca teve a oportunidade de um estudo ou de caminhos que o levassem a um conhecimento mais elevado. Vê-se que a ignorância também é capaz de prover felicidade.
Atriz da Comédia A TARADA DO BOQUEIRÃO
Na sua vida pobre e sem conhecimento algum de uma vida ao menos de classe média, a "puta" diverte a platéia contando sobre sua emoção ao entrar num carrão pela primeira vez na vida, que depois se descobria tratar de um Corcel II. E também ao ganhar um cheque com um valor tão alto, que ela simplesmente não sabia o que fazer com tanto dinheiro. E a surpresa em seguida com a revelação do valor dos míseros quinhentos reais.
O que nos faz refletir é a alegria na vida da personagem, típica da cultura brasileira. Pode até não estar bom, mas ainda assim se busca motivos pra sorrir. Se o dinheiro não traz felicidade, a falta de conhecimento pode trazer, pois não se sabendo o que há de melhor, se acaba por encontrar contentamento com o mínimo que a vida oferece. Difícil mesmo é ser feliz num Corcell II quando já se esteve dentro de uma Mercedes. Se não traz nenhuma revolta, ignorância pode ser positiva emocionalmente falando.
Lembro, por exemplo, de quando conheci a minha primeira praia na Europa. Estava ansiosa para tal, mas minha decepção foi enorme justamente devido ao que eu já conhecia no Brasil. Assim, não pude me contentar com praias tão pequenas, frias e realmente sem graça. O mesmo acontece em ordem contrária.
Dificilmente me surpreendo com obras arquitetônicas antigas no Brasil, por considerar as que já visitei na Europa. Se de um lado o conhecimento nos enriquece, de outro também nos torna mais pobres, uma vez que já conhecendo o melhor, não damos tanto valor aquilo que é inferior. E de certa forma então, vemos que a falta de conhecimento e oportunidades também cria uma ilusão sobre parâmetros bons e ruins. Tudo é questão de “ponto de vista”.
Não desejo ignorância pra ninguém, mas fico feliz em reconhecer no dia-a-dia pessoas como a personagem da peça. Porque se o ser humano já tiver que ser privado de educação e conhecimento, que ao menos não seja privado de seu deslumbre, decorrente de sua posição na sociedade, que lhe dá visão tão limitada de si mesmo e de sua própria existência, que resulta numa felicidade sem razão e sem noção.
No mais, rimos da personagem sentando no colo dos homens da plateia e questionando em seguida o tamanho de seus membros sexuais. Grandes ou não, a atriz se esbalda pulando no colo de uns e outros. Com reflexão, ou sem, a gente se diverte!
CAROLINA VILA NOVA ESCRITORA E ROTEIRISTA, de Curitiba. Contato: focuslife@playtac.com |
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