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Espelhos alheios
25 de outubro de 2013

" Trazes turbado o espírito, não conseguindo entender como é possível que uma vingança justa tenha sido mais tarde justamente punida..."

Dante Alighieri

Cada um de nós nasce sob a égide de uma estrela. Nossa personalidade é algo natural e também um construído da nossa família. Bem como um conjugado de sonhos e realidade que nos circundam como satélites seguindo um planeta maior. A cor de nossos olhos é definida pela genética, mas o brilho deles é definido por nossa argúcia.

Diariamente somos confrontados por amigos e ou conselheiros “ad hoc”. Pessoas aparentemente capazes de nos orientar. Curioso é que não dominam sua existência e de modo caricato querem contornar as nossas escolhas e anseios. Mas no fundo quem nos conhece além de nosso espelho e de nosso travesseiro?

Somos facetas conjugadas. Experiências vividas. Trajetos e trajetórias. Seguimos nossa respiração mesmo sem ter competência para contabilizar por quanto tempo ela será duradoura. O medo pode nos proteger ou nos privar do que desejamos. Desfolhar a rosa ou mantê-la vida é nosso haikai diário.

Há coisas que estão entre nossos dedos e ainda assim perdidas para sempre. A nossa incapacidade de conjugar perdas e replicar danos. Nos condena ou imprime o senso de condenação. Ficamos aprisionados aos desejos alheios e abandonamos os nossos. Seguimos a agenda e relegamos o coração.

A conta de nossa vitalidade nos é apresentada quando não há possibilidade de recomeços. Somos uma partida ficta, pois ficamos estáticos imaginando que amanhã podemos mudar tudo. O amanhã se apresenta em luzes douradas e ainda sim dentro de nós permanece a tempestade daquilo que desejamos e não temos. Descartando coisas especiais que fenecem...

Nosso cotidiano pode ser extraordinário. Afinal as máscaras que usamos podem ser substituídas. Somos cautelosos com nosso trabalho, mas desprezamos aqueles que nos ofertam amor. Afinal nosso julgamento equivocado nos permite imaginar que podemos tudo fazer. O perdão sempre virá em nossa pífia convicção.

Desmarcamos o café com nossos amigos. Não vamos aos aniversários. A nossa melhor vestimenta será para o trabalho. Definhamos ainda vivos. Desaprendemos que o amor requer cuidados tão singelos. Presumimos que as pessoas tem paciência infindável para esperar nossas “grandes” resoluções.

Um dia acordamos tristes – acabrunhados. Sentindo falta de nós mesmos e nesse momento crítico. É provável que tenhamos desperdiçado chances magníficas de um enlace proximal com a felicidade. Somos um quebra cabeças onde todas as peças são fundamentais. Não desejamos as mesmas coisas, mas precisamos de água para a boca e amor para o espírito.

No cotidiano, a verdade sobre nós vai se esfacelando. As pessoas nos contaminam com seus venenos e posteriormente nos oferecem duvidosos antídotos. Ingerimos tudo. Morremos imediatamente em nossas ilusões ou seguimos definhados pelo mal causado. O coração nem sempre conquista uma reação. E sem funcionar. Refreia o que não chegaremos a viver...

Sou uma alma irriquieta que insiste no gosto do pó da estrada e da queda. Vivo em lugares distantes e distintos daqueles ofertados pelas pessoas conformadas. Fisicamente posso estar na terra, mas minha alma se esconde entre as estrelas. Sou dona do meu destino quando falamos de desejo e partida. Não domino os amores e nem por isso deixo de amar...

Vidro e reflexo no relógio e no rosto. Nem sempre quem refletimos nas retinas alheias é o que realmente somos. Só a carinho quando sucumbimos aos pedidos de outras bocas e nunca somos capazes de ouvir a nossa voz que nem sempre grita, mas sussurra que devemos seguir para um caminho mais feliz antes que seja muito tarde para mudar de estrada.

Deixar os prazeres e os amores para amanhã significa que teremos poucas emoções para contar aos netos. O trabalho deve ser nosso sustento e não o nosso esconderijo. Nossa agenda plena de fantasias que nos ocupam, mas não são capazes de nos imprimir um riso merecedor de uma foto para o álbum de das nossas melhores memórias.

O passado é algo estático. Dependemos de coragem para viver um presente válido. Podemos conhecer novos campos de flores. Ou novas instalações hospitalares. Seremos mágicos fracassados sem coelhos na cartola e sem sorrisos na plateia que nunca vamos agradar plenamente. Reclamamos dos nossos problemas sem observar as nossas escolhas.

Piedosamente permitimos que prisões cerquem nossa alma. Vivemos histórias repetidas e cometemos os mesmos erros. Insistindo em reclamar do destino do qual somos senhores. É preciso compreender que ser dono de nossas escolhas não significa que teremos a chave da felicidade, mas ao menos que poderemos alcançar algumas portas.

Basta de espelhos alheios onde não nos reconhecemos. Somos delimitados por contornos diversos da nossa realidade. Somos a morte fingindo ser vida. Nossa jornada capitaneada por condutores incompetentes. Insípidos diretores de cena. Ofertando o sabor daquilo que nunca souberam viver. Tampouco ensinar.

Taís Martins

Escritora, MsC, e professora.

Contato:  taisprof@hotmail.com

               focuslife@playtac.com

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Deixe seu comentário:

  • Denise Maria Mendes

    No afä de desempenharmos todos os papéis que nos säo exigidos diuturnamente, diante do espelho, se nos olharmos profunda e corajosamente, talvez ainda encontremos a chave que nos liberte desse cárcere de medo de sermos täo somente nós mesmos. Perturbadoramente realista.

  • Maria king

    Conteúdo de riqueza e profunda beleza.Parabéns!

  • Eudes Moraes

    Excelente crônica, um auto-libelo de uma alma questionadora e inquieta. Um libelo quase universal. Destaco a frase: ´Piedosamente permitimos que prisões cerquem nossa alma. Vivemos histórias repetidas e cometemos os mesmos erros. Insistindo em reclamar do destino do qual somos senhores. É preciso compreender que ser dono de nossas escolhas não significa que teremos a chave da felicidade, mas ao menos que poderemos alcançar algumas portas.´ Parabéns!

  • Vanessa Ristow

    Os espelhos existem para que possamos enxergar com clareza o nosso eu, não podemos desprezar o que vemos, pois do contrário estaremos desprezando a nós mesmos. As verdades doem, mas ainda constroem o caráter e a realidade que estão muitas vezes escondidas. Ter coragem de se ver é o primeiro passo para o resgate de si mesmo. Parabéns mais uma vez pela grandiosidade da escrita e a profundidade de sentimentos.

  • HELIO OLEGARIO DA SILVA

    Fez-me lembrar de um dos grandes mestres da humanidade, que disse: " A gente não aprende nada, apenas lembra o que já sabe" Penso que o que ele quis dizer, é que quando algo entra em ressonância com a nossa alma, não tem como não compreender, não tem como não admirar, não tem como não se extasiar.... Namastê!