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Flores no lixo
11 de março de 2015
"Química. Sublimemos, amor. Assim as flores. No jardim não morreram se o perfume No cristal da essência se defende. Passemos nós as provas, os ardores: Não caldeiam instintos sem o lume. Nem o secreto aroma que rescende. "
Certa ocasião após uma intensa aula de Direito Civil com todos os conceitos e aprofundamentos necessários para compreender a teoria das obrigações. Encerrei a aula com um pensamento - como de costume. Me despedi alegremente dos meus alunos. Peguei meus diários de classe e meu estojo de canetinhas. Quando uma das alunas diz: puxa professora que pecado essas flores no lixo...
Por uns minutos com a curiosidade peculiar aos seres humanos, mas em regra aguçado nas mulheres. Fitei aquelas belas flores. Imediatamente um breve filme transitou pelo meu sangue. Pensei no motivo das flores e tornei ao passado nas pétalas daquele veludo vermelho... Quantas histórias cabem em nossas almas. Através de palavras que não fogem da boca, mas nunca escapam do coração...
A ira fugaz ou um desafeto próximo do incurável teria ensejado a atitude da minha aluna... Vermelhas... No esteio da traição... Quem será capaz de dizer do seu infortúnio... Quem consentiria com um novo destino para aquelas flores? No mínimo curioso que essas pétalas possam ser lindas e ao mesmo tempo tão perigosas... Algo de apaixonado ou de maquiavélico teria conduzido seus espinhos cuidadosamente retirados...
Hipóteses infindáveis para as mesmas flores. No entanto naquele instante eu não seria capaz de contar uma história ou relatar emoções de outras almas. Somente conhece a dor o dono do coração. A apropriação da história só acontece quando temos autorização para isso. Nesse findar de noite eu não contava com a interlocutora e nem tampouco estaria apta para adentrar o universo dela. Sou uma poetisa e não uma investigadora de segredos...
No entanto, aquela situação encontrou elementos agudos em histórias que conheço amiúde. Nem sempre uma flor traz em seu perfume algo memorável. Entre a doçura de cada encantamento. Pode haver garras atrozes. No meu álbum de memórias elas serviram para corromper minhas fiéis expectativas num passado nem tão distante assim. Pedidos de desculpas que se espiralavam nas palavras mentirosas e num desafeto pleno de interesse...
Sim. Há romances sem finais encantadores... Com névoas singulares. Cada um descobre através do tempo qual o melhor momento para partir. Vivemos mergulhados em nossos desejos, mas por certo nem todos trazem na alma a coragem necessária para transformar sensações em verdades. Ou quiçá para transformar um fim em um começo dotado de novos vértices. Escrever uma história é desafiador... Reinventá-la é um mérito.
Costumo pensar que após tantos caminhos tortuosos sou uma alma escassa. Mesmo com um olhar altivo - e por vezes até elegante - prefiro encerrar as cenas antes dos finais miraculosos. Pois ainda lembro que num deles quase tive a vida ceifada... Confiar nas pessoas é uma forma de morte lenta e cruel. O afeto sulfúreo de um mentiroso ou de uma ardilosa levam poetas e amantes aos abismos eternos...
Há uma marcha invisível e truculenta. A morte nem sempre mastiga os merecedores de sua inesperada visita. E com ela as flores de perdão e de adeus constituem um quadro temeroso entre o que desejamos saber e aquilo que nunca deveríamos ter descoberto. Dores insensatas convivem com mentiras afáveis. Ver diverge de enxergar. A beleza no lixo pode ser uma liberdade sem precedentes para uma alma aprisionada...
Como dizia Renato Russo: "É só você que me provoca essa saudade vazia". Tentando pintar essas flores com o nome de "amor-perfeito" E "não-te-esqueças-de-mim". Há muito mais entre as pétalas que a nossa filosofia despreparada não vislumbra. Véus translúcidos e grinaldas não traduzem em exato o que sentem os noivos e o buque nas mãos da noiva pode ser um breve adeus das memórias de um passado que não foi comum...
Sem intensidade as coisas perdem o viço. Seja ódio - ou seja amor - eles devem por princípio ter intensidade. O morno é um sentimento dos fracos. As flores não encontram o caminho da alma se ela não estiver fervilhante. A cada página é possível contar uma história. Mas seria fabuloso contar a mesma histórias de muitas formas diferentes. O amor é uma semente melindrosa que em corações férteis floresce. Noutros enterra o que foi vivo e um dia feneceu.
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Taís Martins Escritora, MsC, e professora. Contatos: taisprof@hotmail.com focuslife@playtac.com |
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