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RECORTES
19 de agosto de 2013
"Você diz que ama a chuva, mas você abre seu guarda-chuva quando chove. Você diz que ama o sol, mas você procura um ponto de sombra quando o sol brilha. Você diz que ama o vento, mas você fecha as janelas quando o vento sopra. É por isso que eu tenho medo. Você também diz que me ama." William Shakespeare.
Nenhuma história é inteiramente bela. Há visgos daquilo que sentimos e quem nem sempre devemos permitir que a nossa centelha seja pública. Todas as almas acalentam suas mazelas e buscamos em outros olhos as cores impressas em nossas emoções. Há em nossas expectativas inúmeros recortes.
Eu tenho uma vida confusa. Como tantas outras vidas que observo e conheço. Porém, me diverte rir das coisas tolas. Inventar piadas tolas e ver que os olhos que me veem sorriem e as faces ficam ruborizadas com as minhas bobagens. A felicidade é uma planta difícil de ser cultivada em jardins ressacados pelo tempo.
Temos agendas infindáveis. Compromissos intrasferíveis. Uma vida delimitada sobre termos e reuniões. Quando no fundo não reconhecemos o nosso quintal. Nossas flores sem cultivo e nossa grama amarelada. Cuidamos demais daquilo que não merecia atenção e tempo. Permitimos que feneçam coisas espetaculares, mas que restam desdenhadas sem razão.
Um dia, olhamos numa vidraça que não a nossa e nosso cabelo está mudando de cor. Fitamos os olhos e a testa já marcada pelas nossas condutas. Explicamos demais e amamos de menos. Não importa se nossos amigos ou vizinhos precisam de uma palavra ou de um café. Importa o nosso relógio sempre atrasado para eventos sem nenhuma emoção.
Ficamos ancorados no passado. Ao que não foi. Ou aconteceu sem que precisasse ter acontecido. Acabrunhados pelas buscas infindáveis. Sem compreender que estávamos no caminho errado. Colocamos cartas na garrafa sem destinatário. Culpando o mar revolto pelas nossas instabilidades.
O fato é que amei aquele amigo. Longos anos plenos de recordações e recortes do que eu desejava ter. Para ele escrevi poemas. Com ele sonhei. Respeitando o espaço seguro. Entre o que eu aspirava e o que eu podia alcançar. Dançamos juntos – uma única vez – uma linda valsa. Onde a amiga alcançava o então amigo, mas sempre amado.
Meus olhos marejados. O peito descompassado. As mãos cheias de afeto e nervosismo. Num momento breve. Mas que durou uma eternidade sentimental. Aplaquei a alma e deixei que ele se fosse. Afinal naquele momento havia um oceano entre nós. A minha barca singela não seria capaz de vencer a tormenta da escolha.
O destino caprichosamente nos propiciou muitos encontros e em todos eles mantive a fidelidade da amizade. O meu afeto ficava em segredo e a minha dor era apenas um desafio vencido. Porém nos sonhos eu sempre o beijei com a intensidade de um momento único antes de acordar.
Traiçoeiramente numa ocasião muito distante daquele baile, nós nos encontramos. Algo despropositado. Falamos sobre a vida. Sonhos e expectativas. Nele havia um semblante triste. Porém ao consolá-lo eu encontrava as minhas dores. E novamente como amiga o abracei e acalentei seus medos. Revivi por alguns meses o custo do amor não correspondido
Um beijo suave e uma traição ainda mais doce. Quando a adaga da partida era uma marca invisível, mas anunciada. Morri em instantes para uma vida que sonhei, mas que não podia compreender a indignidade de vivê-la – mesmo que por instantes minuciosamente breves. Mudei o cabelo. Perscrutei o vocabulário e tudo foi inútil.
A vilania assume muitas formas e o desejo promove cegueiras emocionais. Caminhei pela casa vazia. Pois eu não era uma página aberta naquele instante. Eu seria um segredo até que o momento especial chegasse. Nosso segredo afetivo envolvia temores. E respeitei cada um deles. Segurei a esperança de ser igualmente amada.
Reavaliando as cenas vividas enquanto tomo um bom vinho. Meus lábios sorriem e meus olhos transbordam diante da cena indefectível. Fui iludida por desejos e sonhos plenos de uma felicidade que nunca existiu. Destarte eu jamais enfeitaria a mesa familiar. Não era digna. Carecia de elementos fulcrais para participar da fotografia publicada no facebook.
Curioso notar que em tempos de dores digitais, as verdades são reveladas na modalidade eletrônica. Afinal, a foto na sala de estar já é démodé. Aduzido ao fato que a publicidade se presta para inúmeros fins. O ex-amado notará de modo nada tênue que perdeu a batalha e sua carne será exposta em praça publica. Mesmo que não haja legenda explicativa.
Cá fico eu com o meu singelo pensar. Ainda presa aos modos tradicionais. Replico minhas dores através desse processo criativo e por assim dizer catártico. As doçuras e agruras do que vivo me matam aos poucos e ao mesmo tempo me fortalecem. Procuro um amor verdadeiro e me deparo com falsas luzes de um “ouro de tolo”.
Não serei dominada pela exaustão. Sofri traições corporais, emocionais e intelectuais. Destacaria o “caráter relativo” de um amigo quase íntimo. Sabedor dos meus anseios e sentimentos. Conhecedor dos sentimentos acalentados desde tempos estudantis. Partilhou dos meus lábios e do meu vinho. Brindou comigo momentos felizes.
Desafortunadamente, ele não pensava em permanecer. Não percebi que seria uma chuva de verão. Com a força das tempestades arrebatou meu castelo e dilacerou minhas emoções. O amor não é um contrato. Mas a dor não pactuada é que me faz temer pelos laços imaginários. Não fomos bons amantes e quiçá agora é certo. Por esse prisma – nunca – sequer amigos.
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Taís Martins Escritora, MsC, e professora. Contato: taisprof@hotmail.com focuslife@playtac.com |
Os caminhos da imaginação pela Escrita
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Tais Martins
agradeço meu querido amigo. Bjs
Marcos Monteiro
Olá, Tais! Um texto cheio de sentimentos e emoções que nos faz acreditar no amor mesmo não correspondido, mas que ficar marcado em nossa vida para sempre. Por que existe sempre um oceano entre um grande amor? Abraços!