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Uma casa ou um LAR?
09 de maio de 2013
Não possuo a descrição precisa do momento em que podemos considerar uma casa como habitat ou paredes cheias de história que configuram um lar. Inúmeras vezes ao aceitar um trabalho novo os hotéis serviram de moraria. Janelas largas, pequeninas. Camas convidativas e outras apesar de belas seu conforto aparente escondia espinhos.
O sono é um mistério. Dormir. Descansar. Entregar a alma para flutuar entre nossos pormenores. Estamos desprotegidos dos outros, mas disponíveis para nós mesmos. Nossos desejos confrontados. As pessoas que nós amamos enfeixadas por imagens aprazíveis ou por despedidas sempre renovadas em nossas retinas.
A comida com outros sabores. O perfume convidativo pela busca de saciedade. Sentamos na nossa cadeira reservada. A expectativa por revelações diárias. Afinal a lasanha com frango e gengibre foi esperada durante a semana toda. Mas uma pena que não tenha o mesmo gosto quando servida para os amigos naquele ano da mudança definitiva.
A poltrona vermelha. Quanto porvir em ocupá-la. É como se nela coubessem todos os livros lidos. Os amores desfeitos. As brigas e reconciliações propiciadas pela nossa vida pouco razoável. Os títulos comprobatórios dos nossos esforços diários passaram por cada centímetro escarlate daquele esconderijo. Substituí-la nunca foi possível nos hotéis e pousadas.
O jardim com as rosas perfumadas. Cheias de joaninhas vestidas de verde e amarelo. É como se a mão da minha avó tivesse gotejado uma dose ainda maior de perfume na minha infância. Impossível não pensar nas vezes que os dedos foram espetados e como sua doçura peculiar sempre pedia cautela. Mesmo nos jardins de Veneza não encontrei esse odor particular.
O sofá da sala. Quantas noites de filmes com guloseimas sem pipoca nas dietas. Controlar o riso e por vezes o choro. Nunca havia silêncio. As cenas correndo pela televisão carente de tecnologia. Havia tantas cenas ao seu redor e coisas partilhadas entre olhares. E quando a paz reinava em ambientes organizados e silenciosos havia uma nostalgia irremediável.
Quantas vezes reclamamos do que temos. Quando na verdade é o melhor que temos e somos. Uma casa nos acolhe, nos esconde. Permite lágrimas e sorrisos desmedidos sem explicações. Precisamos de abraços apertados. De perfume de pão fresco com manteiga e aquele café inconfundível nas mãos daquela pequenina de cabelos tão curtos e tão brancos.
A desordem emocional faz parte de um lar. Mesmo que a cadeira ao invés de pés possua rodas. Afinal ser feliz não exige normalidade. Exige sentimentos. Avessos aos outros lares da mesma rua e com muitas pessoas carentes de afinidades as conversas podem terminar em risos ou em mal humor. E quando sozinhos, os estranhos nem sempre desejam nos ouvir.
A caneca favorita não será encontrada noutras mesas. Comer sentado no chão da sala será uma atividade inesperada e por vezes inaceitável. Os alimentos da mesma marca não provocam a mesma degustação e percebemos que algo nos escapa. Até mesmo o entardecer avermelhado vislumbrado todos os dias em tardes nostálgicas retomará seu encanto.
Somos artífices de uma vida vazia. Realizamos nossos sonhos e permanecemos sozinhos de nós mesmo. Nos escondemos em muitas casas e hotéis. Mas sem encontrar afago nos recônditos na nossa própria alma. Estamos deslocados da nossa realidade infantil quando ser feliz exigia muito pouco da nossa alma.
Hoje tomamos cafés magníficos em diversos lugares do mundo. Nos aviões com muitos idiomas nos servem e nos mimam para que voltemos felizes e com dinheiro – muitas outras vezes. No entanto estamos fadados a uma carteira como se o bom dia tivesse um custa maior que uma centena de dólares ou euros. E em casa sempre nos esperam por afeto. Nada mais.
Como se moça e não bem velha eu fosse entenderia essa dinâmica que escolhemos para nossas vidas. Hoje me resta a análise meticulosa sobre a minha vida e sobre vidas alheias. Observo que nos condenamos ao exílio de salas de luxo e com o pseudo lixo das salas de reunião. Abandonamos nosso valor único para sermos mais um nessa inóspita multidão.
A idade me fez compreender a incompatibilidade da minha poltrona vermelha com o conforto das inúmeras cadeiras em que me pus a descansar. Elas não trouxeram uma quimera para os meus escritos, pois as minhas elucubrações verbais pedem sentimentos e viveres permanentes e como o cheiro de mexerica denunciando a fome ou a gula.
Deitada no meu lençol de sonhos recordo em quantos fios egípcios pude dormir. Mas eles careciam da minha rede de sonhos. Das estrelas cintilantes da janela dos fundos do meu quarto. Eu nunca cuidei das flores. Afinal meus dedos só conhecem a caligrafia. Mas meu olfato conhece aquele cheiro de simplicidade que mostra que estou no meu lugar. Na minha rua.
A diferença pode ser pífia para os desacostumados a escolher um canto da casa para sentar, para comer ou até para mudar um móvel. Eu gosto de viagens, mas não significa que aprecie as mudanças. Gosto de partir, mas entendo o gosto suave de retornar. Já visitei muitas casas magníficas, mas percebi que sempre estavam vazias. Vazias de seus servos e senhores.
O meu pequeno canto no mundo é um lar. Nele tenho lembranças antigas e novas. Em suas paredes há memórias que nem a tinta apagou. Há fotos exibidas e algumas guardadas, pois num lar sempre há espaço para uma caixa de saudades. Guardo então as minhas bruxinhas que amo mais do que qualquer brinquedo que tive na vida.
No meu olhar há um universo errante. Onde nem tudo é perfeito e reside aí o equilíbrio. Nada tem imutabilidade, mas tudo tem seu lugar. Nesse momento se enfeixa uma constatação plena de singeleza. Por ter o meu lar posso viajar pelo mundo, posso conhecer outras casas.
Posso ir muito longe, mas sempre terei para onde voltar. Sentindo o cheiro de café da minha vó Rozalina. Conhecida como Vó Roza. Sem mencionar aquele cheiro de comida que inebriava o bairro. Terei a voz da minha mãe Dona. Helena no fundo dos ouvidos que um dia chamaram pelo meu nome e hoje pelos meus filhos Raphaella e Miguel.
Terei meu pai o “seu” Laerti na porta inquirindo as horas em que retornei ou que saí no final de semana... e os anos seguem rápidos e já não sou uma jovem menina com o primeiro namorado. Para eles eu não conto novas histórias - eles conhecem todas elas. Estão atados às minhas invenções e realidades. Sucessos e fracassos.
Haverá espaço para enormes saudades. Lembranças de pessoas que foram embora, mas que nunca partiram da nossa alma. Há nas paredes, nos móveis e nos retratos aqueles olhos azuis cheios de eternidade do Vô Zandi... que trazia nos bolsos tantos presentinhos com a mesma doçura do coração.
Quando ando pelo mundo sou uma estranha entre tantos estranhos. Minha identidade pode ser uma caricatura, mas nem sempre um fundamento ou um motivo. A tênue diferença entre partilhar a cena com os personagens permanentes. Pois com os figurantes as cenas breves são perenes e passíveis de esquecimentos.
Há muitas pessoas que encontramos pelo mundo. Tomamos café, jantamos, sorvemos um bom vinho ou um jantar requintado. Num lar é preciso o essencial. O afeto, a permanência, a segurança. Nossos pijamas antigos e as meias velhas. Nossa face sem o bordado da maquiagem para sorrir em muitas manhãs e ter seu lugar no mundo.
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Taís Martins Escritora, MsC, e professora. Contato: taisprof@hotmail.com Contato: focuslife@playtac.com |
Os caminhos da imaginação pela Escrita
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Tais Martins
Obrigado minhas queridas. Giuliana e Leonice. Mil beijos sempre
Leonice Lacerda Lima
Muito emocionante, em poucas palavras. Adorei cada linha que li e sei que tem uma famÃlia maravilhosa sempre esperando por voce. Parabéns
Giuliana
Poética reflexão sobre o lugar mais desejado por todos... o Lar. Parabéns!